14 de jan. de 2013

ENTREVISTA COM SIDNEY DE MOURA, O SIDÃO, SOBRE A SITUAÇÃO DE FRIBURGO

Em ocasião do aniversário de 2 anos da tragédia que afetaram a região serrana do estado, a UJC - Friburgo bateu um papo com um importante militante social da cidade. Professor da rede pública e da direção nacional do Partido Comunista Brasileiro, Sidney de Moura, conhecido como Sidão, recebeu nossa juventude com fraternidade para uma conversa sobre a continuidade da situação de risco para os trabalhadores de Nova Friburgo e as formas de revertermos esse quadro.


UJC - Sidão, você chegou a ser candidato a prefeito em 2008, e numa de suas propagandas, você apontava o risco iminente que corriam os moradores com as chuvas de verão, o risco de deslizamentos, devido à construção de moradias em locais inapropriados. Pouco mais de dois anos depois, se deu a tragédia. Além da força da natureza, quem mais você considera responsável pela tragédia?



Sidão - Em 2008 eu estive no bairro Maringá, e lá aconteceram muitas chuvas fortes, levando ao desabamento de algumas casas. Já havíamos detectado isso há muito tempo. Existem registros antigos de deslizamentos em Nova Friburgo, mas na época não existiam habitantes nessas áreas. O principal motivo delas se repetirem é o crescimento urbano desordenado. Nova Friburgo não se preparou para o "boom" populacional, e isso aumentou a gula das empreiteiras imobiliárias, que começaram a construir loteamentos irregulares, em locais reconhecidamente de risco. Construíram esses loteamentos sem nenhuma preocupação com estrutura e estudo geológico. Além disso, nunca se pensou em habitações populares decentes. A comunidade desses lugares começou a reivindicar equipamentos urbanos, serviços públicos, e esses serviços – vinculados a interesses eleitoreiros – depois de algum tempo, deram uma impressão de aparente normalidade das habitações dessas comunidades. É óbvio que as chuvas contribuíram muito, mas é preciso lembrar que hoje já existe pesquisa e tecnologia pra evitar esse tipo de coisa. Se você pega nos altiplanos do Peru, em condições de inclinação e índices pluviométricos similares aos daqui de Nova Friburgo, as habitações estão de pé. Quinhentos anos atrás os incas já sabiam como dar tratamento a isso, e a engenharia de hoje tem total condição de resolver isso. Mas como só foram levados em consideração os interesses econômicos, isso era apenas uma bomba de efeito retardado, e as consequências a gente está vendo até hoje.

UJC - E o poder público?

Sidão - Se você parar pra ver os cinco últimos governos não construíram casas populares. Deixaram que a população tivesse iniciativa de construir suas habitações sem nenhum acompanhamento da engenharia pública. Obras sendo aprovadas sem nenhum acompanhamento técnico, apenas para atender a interesses eleitoreiros. Houve tentativas de fazer seminários que procuravam esclarecer as diversas prefeituras da área dos riscos iminentes, órgãos técnicos das universidades se propondo a fazer análises do solo, a dar orientação para a expansão urbana e, ao fazer esse tipo de apresentação, não contavam com a presença de nenhum representante do poder público. Não há planejamento urbano, o Plano Diretor não é obedecido, a especulação imobiliária é muito grande, e o poder público não teve interesse em construir habitações.


UJC - Além dos mais 1000 mortos que tivemos na tragédia, tivemos milhares de desabrigados, que hoje em dia ainda estão esperando as casas populares que não receberam, alguns recebem o aluguel social, que é nitidamente insuficiente, então a gente pode observar uma tragédia social também, as pessoas estão desamparadas. O que você tem a dizer sobre isso?


Sidão - Bom, isso é um fenômeno da sociedade capitalista em nível mundial. Se pegarmos exemplos de outros lugares, a gente percebe que locais atingidos por algum tipo de tragédia - furacão, enchentes etc. - têm problemas com habitação por muito tempo ainda. Os governantes num primeiro momento chegam, prometem recursos - muitos que já pertencem aos trabalhadores - colocam um monte de empreiteiras pra fazer maquiagem, apenas pra faturar e não resolvem, pois tirariam os lucros das grandes empresas imobiliárias, caso se construísse em locais seguros para habitação. Temos que entender que habitação de qualidade vai muito além de moradia, envolve todo um processo de urbanização. O poder público não investe porque não existe interesse político. É inerente ao capitalismo, habitação decente só é possível num outro modelo de economia.


UJC - Como você avalia a situação política da cidade após a tragédia?

Sidão - O governo do estado é uma tragédia! Uma tragédia moral, uma tragédia econômica. Gosta das grandes obras envolvendo grandes empreiteiras. Nessa lógica o que se percebe é o descaso de um governo incompetente, que só se preocupa em favorecer seus aliados políticos. E o mesmo vem acontecendo em Nova Friburgo. Não se consegue vislumbrar governos que estejam voltados para os interesses dos trabalhadores. Como sempre, são feitas muitas promessas, que vemos claramente que não serão cumpridas, obras de fachada, quando o essencial – que é atender o interesse dos trabalhadores – é tratado com descaso.
            Pela montagem do governo atual, a gente percebe que pouca coisa vai mudar. O funcionalismo público continua abandonado. Os profissionais da saúde e educação ganhando uma miséria, enquanto os cargos comissionados prosseguem se ampliando.  A expectativa é que esse processo democrático que a gente vive que, no Brasil, vai se consolidando aos poucos, sirva para que a população vá fazendo experiências e de forma autônoma construa alternativas populares de poder.

UJC - E como a juventude, juntamente dos trabalhadores, pode contribuir para a mudança desse quadro?


Sidão - Os jovens serão os trabalhadores de amanhã. Eles têm que entender que pra mudar a sociedade, terão de tomar as rédeas da luta pela transformação da sociedade. Isso é fundamental! Não dá pra ficar sendo pautado pela lógica da competitividade. Para isso a juventude precisa de formar, se politizar, viver dia-a-dia o problema de sua comunidade. A juventude tem que construir entidades de representação estudantil, criar grêmios democráticos, livres da lógica capitalista, que procurem compreender e contribuir para melhora da educação nesse país. O jovem trabalhador precisa se organizar em locais de trabalho para defender seus direitos de melhores salários e melhores condições de trabalho. Nenhuma conquista que os trabalhadores tiveram foi dada, foi fruto de muita luta. A solidariedade, a luta e o compromisso com sua classe é que vão fazer com que as coisas mudem, na perspectiva dos interesses dos trabalhadores. E para isso não existe outro caminho que não a organização e a luta!


Juventude que ousa lutar constrói o poder popular!

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