Em ocasião do aniversário de 2 anos da tragédia que afetaram a região serrana do estado, a UJC - Friburgo bateu um papo com um importante militante social da cidade. Professor da rede pública e da direção nacional do Partido Comunista Brasileiro, Sidney de Moura, conhecido como Sidão, recebeu nossa juventude com fraternidade para uma conversa sobre a continuidade da situação de risco para os trabalhadores de Nova Friburgo e as formas de revertermos esse quadro.
UJC - Sidão,
você chegou a ser candidato a prefeito em 2008, e numa de suas
propagandas, você apontava o risco iminente que corriam os moradores com
as chuvas de verão, o risco de deslizamentos, devido à construção de
moradias em locais inapropriados. Pouco mais de dois anos depois, se deu
a tragédia. Além da força da natureza, quem mais você considera
responsável pela tragédia?
Sidão - Em 2008 eu estive no bairro Maringá, e lá aconteceram muitas chuvas
fortes, levando ao desabamento de algumas casas. Já havíamos detectado
isso há muito tempo. Existem registros antigos de deslizamentos em Nova
Friburgo, mas na época não existiam habitantes nessas áreas. O principal
motivo delas se repetirem é o crescimento urbano desordenado. Nova
Friburgo não se preparou para o "boom" populacional, e isso aumentou a
gula das empreiteiras imobiliárias, que começaram a construir
loteamentos irregulares, em locais reconhecidamente de risco.
Construíram esses loteamentos sem nenhuma preocupação com estrutura e
estudo geológico. Além disso, nunca se pensou em habitações populares
decentes. A comunidade desses lugares começou a reivindicar equipamentos
urbanos, serviços públicos, e esses serviços – vinculados a interesses
eleitoreiros – depois de algum tempo, deram uma impressão de aparente
normalidade das habitações dessas comunidades. É óbvio que as chuvas
contribuíram muito, mas é preciso lembrar que hoje já existe pesquisa e
tecnologia pra evitar esse tipo de coisa. Se você pega nos altiplanos do
Peru, em condições de inclinação e índices pluviométricos similares aos
daqui de Nova Friburgo, as habitações estão de pé. Quinhentos anos
atrás os incas já sabiam como dar tratamento a isso, e a engenharia de
hoje tem total condição de resolver isso. Mas como só foram levados em
consideração os interesses econômicos, isso era apenas uma bomba de
efeito retardado, e as consequências a gente está vendo até hoje.
UJC - E o poder público?
Sidão - Se você parar pra ver os cinco últimos governos não construíram casas
populares. Deixaram que a população tivesse iniciativa de construir suas
habitações sem nenhum acompanhamento da engenharia pública. Obras sendo
aprovadas sem nenhum acompanhamento técnico, apenas para atender a
interesses eleitoreiros. Houve tentativas de fazer seminários que
procuravam esclarecer as diversas prefeituras da área dos riscos
iminentes, órgãos técnicos das universidades se propondo a fazer
análises do solo, a dar orientação para a expansão urbana e, ao fazer
esse tipo de apresentação, não contavam com a presença de nenhum
representante do poder público. Não há planejamento urbano, o Plano
Diretor não é obedecido, a especulação imobiliária é muito grande, e o
poder público não teve interesse em construir habitações.
UJC - Além
dos mais 1000 mortos que tivemos na tragédia, tivemos milhares de
desabrigados, que hoje em dia ainda estão esperando as casas populares
que não receberam, alguns recebem o aluguel social, que é nitidamente
insuficiente, então a gente pode observar uma tragédia social também, as
pessoas estão desamparadas. O que você tem a dizer sobre isso?
Sidão - Bom,
isso é um fenômeno da sociedade capitalista em nível mundial. Se
pegarmos exemplos de outros lugares, a gente percebe que locais
atingidos por algum tipo de tragédia - furacão, enchentes etc. - têm
problemas com habitação por muito tempo ainda. Os governantes num
primeiro momento chegam, prometem recursos - muitos que já pertencem aos
trabalhadores - colocam um monte de empreiteiras pra fazer maquiagem,
apenas pra faturar e não resolvem, pois tirariam os lucros das grandes
empresas imobiliárias, caso se construísse em locais seguros para
habitação. Temos que entender que habitação de qualidade vai muito além
de moradia, envolve todo um processo de urbanização. O poder público não
investe porque não existe interesse político. É inerente ao
capitalismo, habitação decente só é possível num outro modelo de
economia.
UJC - Como você avalia a situação política da cidade após a tragédia?
Sidão - O
governo do estado é uma tragédia! Uma tragédia moral, uma tragédia
econômica. Gosta das grandes obras envolvendo grandes empreiteiras.
Nessa lógica o que se percebe é o descaso de um governo incompetente,
que só se preocupa em favorecer seus aliados políticos. E o mesmo vem
acontecendo em Nova Friburgo. Não se consegue vislumbrar governos que
estejam voltados para os interesses dos trabalhadores. Como sempre, são
feitas muitas promessas, que vemos claramente que não serão cumpridas,
obras de fachada, quando o essencial – que é atender o interesse dos
trabalhadores – é tratado com descaso.
Pela montagem do governo atual, a gente percebe que pouca coisa vai
mudar. O funcionalismo público continua abandonado. Os profissionais da
saúde e educação ganhando uma miséria, enquanto os cargos comissionados
prosseguem se ampliando. A expectativa é que esse processo democrático
que a gente vive que, no Brasil, vai se consolidando aos poucos, sirva
para que a população vá fazendo experiências e de forma autônoma
construa alternativas populares de poder.
UJC - E como a juventude, juntamente dos trabalhadores, pode contribuir para a mudança desse quadro?
Sidão - Os jovens serão os trabalhadores de amanhã. Eles têm que entender que
pra mudar a sociedade, terão de tomar as rédeas da luta pela
transformação da sociedade. Isso é fundamental! Não dá pra ficar sendo
pautado pela lógica da competitividade. Para isso a juventude precisa de
formar, se politizar, viver dia-a-dia o problema de sua comunidade. A
juventude tem que construir entidades de representação estudantil, criar
grêmios democráticos, livres da lógica capitalista, que procurem
compreender e contribuir para melhora da educação nesse país. O jovem
trabalhador precisa se organizar em locais de trabalho para defender
seus direitos de melhores salários e melhores condições de trabalho.
Nenhuma conquista que os trabalhadores tiveram foi dada, foi fruto de
muita luta. A solidariedade, a luta e o compromisso com sua classe é que
vão fazer com que as coisas mudem, na perspectiva dos interesses dos
trabalhadores. E para isso não existe outro caminho que não a
organização e a luta!
Juventude que ousa lutar constrói o poder popular!